

Qualquer músico que se aventura no American Song Book enfrenta dois caminhos opostos. Fique ligado às versões emblemáticas e quase definitivas das históricas do gênero e construa apenas mais uma cópia. Ou arrisque modificá-los de acordo com seu próprio conhecimento e compreensão. Levando-os por um novo caminho de riscos e desafios. Limitando, às vezes com traços fugazes, os limites e entrelaçamentos daquela melodia imortal.
Neste caminho, próprio e incerto, lança-se o trio único constituído por Julia Sanjurjo, uma das vozes mais pessoais da última geração; o jovem e experiente Nataniel Edelman e o talentoso Valentín Garvie, recuperado no cenário local depois de muitos anos no exterior; para dar vida a um novo e perturbador registro. Onde a personalidade individual gera um som de grupo sólido e ousado, cheio de nuances e sutilezas. Não há espaço para complacência fácil.


O álbum, lançado pelo selo ICM de Mar del Plata, tem apenas cinco canções, gravadas ao vivo no dia 13 de setembro na Cuerda Mecánica, a Villa Urquiza local de Buenos Aires. Cada um deles surgiu da pena de um pianista: Cole Porter, Bill Evans, Thelonious Monk, Duke Ellington e Fred Coots. Junto com eles um punhado de composições emblemáticas. Temas que há décadas acompanham a memória emocional de diferentes gerações de músicos de jazz, configurando seu próprio universo.
O caminho tem seu ponto de partida no Noite e dia que Porter escreveu para Divórcio Gay, o musical que estrelou Fred Astaire, mas que alcançou o top 10 de canções de maior bilheteria nos Estados Unidos somente depois que foi adotado pelas grandes bandas populares da era do swing. Aqui, a versão do trio não guarda relação com as versões festivas dos anos 1930. A voz de Sanjurjo acentua dramaticamente as letras que falam de saudade e tristeza, enquanto Garvie e Edelman tecem melodias sombreadas.


O Tempo lembrado de Bill Evans, segundo corte do álbum, renasce aqui de um forte solo de trompete de Garvie, precedendo a expressividade de Sanjurjo. Juntos, eles constroem uma cumplicidade criativa de climas e texturas, com o sutiã de um Edelman mal sugerido. Siga-o Prelúdio para um Beijo, o clássico de Ellington com Lyrics de Irving Gordon, onde o trio reafirma seu caminho de busca e risco; com Edelman e Garvie solando ao mesmo tempo, como um marco para a expressividade do cantor.
Tudo isso precede o que certamente é um dos pontos altos de um disco de qualidade bastante regular. Versão de Edelman, Sanjurjo e Garvie de Sonho de Monge é uma jornada intransigente no próprio espírito do universo monkiano. Com a voz de Sanjurjo como se saísse das trevas, para logo ocupar o centro das atenções numa dispersão visceral, em meio à vertigem que Garvie e Edelman propõem.


Talvez poucos tenham previsto um álbum tão único durante aquele encontro do trio na Cuerda Mecánica, um dos bons cenários da amada cena pré-pandêmica de Buenos Aires. Mas, felizmente, o que tinha que acontecer aconteceu. E a música que cativou o público naquela noite segue construindo seu próprio caminho até hoje. Gerando novas noites imaginárias e centenas de ouvintes agradecidos.
Sanjurjo-Edelman-Garvie
Noite e dia 07:12
Tempo lembrado 06:04
Prelúdio para um beijo 06:40
Sonho de Monge 03:32
Por tudo que sabemos 08:53
Julia Sanjurjo voz / Valentin Garvie trompete e flugelhorn / Nataniel edelman piano
Gravado em 13 de setembro de 2019 no Centro Cultural Cuerda Mecánica, Buenos Aires, Argentina. Técnico de Gravação: Santiago Bajder / Mixagem e Masterização: Mariano Míguez / Arte da capa: Nataniel Edelman / Liner Notes por Michael Attias:

